O Português, língua de diplomacia

Nos pontos de reflexão que se seguem procurarei, primeiro, identificar o português no contexto das línguas de uso diplomática e situá-lo numa perspectiva histórica; segundo, identificar em linhas gerais, o contexto em que se torna visível o uso do português como língua de diplomacia; terceiro, verificar se não será mais importante falar e agir em funçáo do português não tanto como língua de diplomacia, mas antes como uma diplomacia da língua em relação à qual nos estamos comprometendo cada vez mais.

As línguas como eixo fundamental da comunicação internacional

Não pretendendo adicionar mais ideias a este tema, não é demais recordar que no decurso da história houve línguas que se impuseram nos documentos firmados entre potências e se mantiveram durante séculos como eixo fundamental da comunicação internacional. O Grego foi uma delas e com o tempo foi substituído pelo Latim. Durante a Idade Média europeia a correspondência diplomática era redigida em Latim.

Portugal não foi excepção e somente em finais do Século XV se assiste na Europa ao início da perda de importância do Latim a favor do vernacular de cada nação, com notável ascenso do francês para o substituir nos documentos internacionais.Francisco Duarte Azevedo, diplomata

A partir do Século XVI assiste-se a uma utilização cada vez maior da língua francesa como língua diplomática e os documentos internacionais parecem ser redigidos indiferencialmente em latim e francês.

No Século XVII, os Tratados de Westefália, por exempIo, foram redigidos em latim. Mas o Tratado entre Espanha e as Províncias Unidas já foi redigido em francês e holandês. O peso do desenvolvimento das línguas nacionais tornou-se bastante visível nesse século e o uso que delas se fez na correspondência internacional foi decisivo para uma alteração de escolhas quanto à língua a adoptar neste tipo de comunicações.

É com Luis XIV que o francês se impõe decisivamente como língua diplomática, quase alcançando uma hegemonia que só foi contrariada pela Grã-Bretanha «que em diversos tradados exigiu a inclusão de uma cláusula nos tratados redigidos em francês no sentido de tal circunstância não poder prejudicar o direito das demais partes contratantes terem versões escritas nas suas próprias línguas» (Embaixador Calvet de Magalhães, in Manual Diplomático).

A partir praticamente do início do Século XIX, e tal como sucedeu com o Latim relativamente ao Francês, o Inglês começa a impor-se também como língua diplomática. E mantendo-se embora o francês como língua diplomática por excelência, no Século XX, sobretudo depois da Primeira Guerra Mundial, assiste-se à consagração do Inglês como língua diplomática universal, assim se mantendo até aos nossos dias, tendo o Francês caído praticamente em desuso.

O português como língua diplomática

Neste contexto, que lugar ocupa o português como língua diplomática? Há que regressar aos Séculos XVI e XVII, à crescente consolidação das línguas nacionais e à expansão e criação do império marítimo português.

Com efeito, a par de uma estratégia delineada pela dinastia de Aviz no seio da qual a língua portuguesa começa a definir-se com carácter institucional e a par da expansão, e por interesses comerciais, mas também sob mandato de Respublica Christiana, ao Iado do marinheiro-soldado, do mercador, também enviámos para África, Ásia e América do Sul o missionário com o catecismo, a cartilha e a gramática.

Criaram-se, assim, formas de comunicação, traduzindo vocábulos em ambas direcções, inclusive absorvendo mais tarde no nosso léxico e fazendo absorver nas línguas locais dos potentados com os quais foram encetadas relações (por vezes, de mútuo reconhecimento e outras de dominação), boa parte do vocabulário relacionado com sensações, sentidos, estética, cores, anatomia, produtos de comércio e geografia.

Poder-se-ia dizer que se foi estabelecendo um linguajar mesclado de vocábulos portugueses e locais, desenvolvendo-se rapidamente uma língua franca de mercadejo com caracter absolutamente regional e costeiro, que se tornou cúmplice da nossa universalidade.Francisco Duarte Azevedo, diplomata

Demos e absorvemos palavras e expressões de uma variedade significativa de línguas e dialectos locais, desde os de origem africana ao japonês, passando pelo português, língua oficial e materna no Brasil desde os tempos coloniais e com suas variantes internas, e mais tarde pelo papiamento de Curaçau, Aruba e Bonaire, o saramacano de Suriname, os crioulos de Cabo Verde, Guiné, Casamansa, S.Tomé (no dialecto forro) e os papiás cristam de Malaca, do Ceilão, o tetum de Timor, os crioulos malaio-portugueses de Java e Singapura e as variantes locais em Macau e na Índia (os crioulos indo-portugueses de Goa, Damão e Diu). Desenvolveu-se assim uma diversidade dialectal, hoje afastada da língua de origem, mas que acabou por disseminar ao longo do nosso percurso marítimo, vocábulos ainda hoje persistentes, embora mais ténues nalguns casos e/ou noutros completamente desaparecidos.

O português surge, nessa época, como língua da corte e de comunicação internacional de alguns potentados africanos e do oriente, tal como sucedeu no Benim, no Congo, na Etiópia. Boa parte dos tratados firmados entre Portugal e esses potentados como o Congo e o Japáo, foram redigidos em vernacular. O tradutor-intérprete assumiu, a partir sobretudo do Século XVI, um estatuto incontornável.

Uma política da língua portuguesa começa também a definir-se a partir dos primeiros avanços da expansão. O português chega a ser introduzido localmente, inclusive de uma forma personalizada. A par disso, redigem-se os primeiros glossários. Na narrativa da primeira viagem de Vasco da Gama existe um glossário que poderá ter sido a primeira tentativa de tradução de uma língua local do Malabar para português e que se afigura provavelmente como um dos primeiros sinais de transmissão e comunicação linguística entre o ocidente e o oriente. Introduzem-se igualmente as gramáticas e cartilhas para ler.

PUBLICAÇÃO ORIGINAL DE Francisco Duarte Azevedo, diplomata (Número 95 18-31 de Janeiro de 2006 Suplemento do JL, N.º 921, Ano XXV). Reproduzido no site www.instituto-camoes.pt

IMAGEN: Primera página (del texto principal) del manuscrito del diccionario portugués-chino, compilado por el P. Matteo Ricci, P. Michele Ruggieri y el hermano laico jesuita chino (Macao) Sebastian Fernandez en Zhaoqing, Guangdong. Escrito entre 1583-1588. FUENTE: Google Arts&Culture.

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